MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO CRÍTICO: EXPERIÊNCIAS DE ENSINO DE LÍNGUA
INGLESA NO NÍVEL MÉDIO
Felipe
Adunbi Rocha Novaes; Giuseppe Andrew Ferreira Dantas; João Francisco da Silva
Neto; Juliana Barbosa dos Santos; Carolina Rodrigues (supervisora); Angélica
Araújo de Melo Maia (coordenadora)
PIBID - Subprojeto Letras-inglês UFPB
Introdução
O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o
entendimento de futuros professores de língua inglesa em relação ao letramento
crítico (doravante LC) e a práticas de linguagem multimodais, a partir de aulas
minitradas em turmas de uma escola de ensino médio localizada na cidade de João
Pessoa-PB, no âmbito do subprojeto PIBID Letras-Inglês da Universidade Federal
da Paraíba. Para isto, buscamos estabelecer um diálogo com as OCEM – Línguas
Estrangeiras (BRASIL, 2006), apresentando as concepções de letramento e da
multimodalidade discutidas nesse documento, como também com outros referenciais
teóricos que discutem a transposição e abordagem do LC no contexto da educação
básica do Brasil.
A justificativa deste trabalho deriva das Orientações
Curriculares Nacionais OCEM – Línguas Estrangeiras (2006), que traz a
importância da discussão e reflexão sobre as estratégias de ensino voltadas às línguas
estrangeiras, como também, a importância do uso de novas tecnologias na sala de
aula, dentro de uma perspectiva de multimodalidade.
A abordagem sociointeracional,
valorizada nas OCEM, vem a complementar o processo iniciado pela abordagem
comunicativa cujo fim é a comunicação (TÏLIO, 2013). Assim, para que o processo
comunicativo seja eficiente entre indivíduos de diferentes culturas, se faz
necessário uma reflexão sobre os diferentes modos de pensar e entender hábitos
e valores que permitem uma interação social sensível ao universo de concepções
do outro; uma abordagem não colonizadora.
A construção de novas formas de
trabalho pedagógico sob este viés reflexivo aponta três aspectos como
necessários no ensino de línguas estrangeiras de acordo com Moita Lopes (2003
apud TÍLIO, 2013): a construção de uma base discursiva, desenvolvimento de uma
consciência crítica e o foco em temas transversais.
Estes temas (transversais) não estão
presentes em sala de aula por acaso; estão lá para dizer ao aluno que seu
contexto não é insignificante e o dos outros alunos também não. O conhecimento
construído pela abordagem destes temas contribui para o desenvolvimento de uma
consciência cidadã, ao incluir o aluno em um mundo globalizado em que tudo se
conecta e ao mesmo tempo se expressa dentro de universos particulares com suas
características próprias. Esses aspectos devem ser problematizados na aula de
língua inglesa, dentro de uma perspectiva de letramento crítico (BRASIL, 2006).
As quatro habilidades linguísticas
(ler, escrever, ouvir e falar) não são irrelevantes de modo algum para o
letramento crítico, mas não são o fim único. Além do desenvolvimento destas
habilidades, é importante incluir a habilidade de construir significados,
abrangendo os atos de ver, descrever, explicar, entender e pensar. Esta última
habilidade encontra seu canal de desenvolvimento nos multiletramentos através
de todas as suas modalidades (linguístico, visual, sonoro, não-verbal, digital,
multimodal, multicultural e crítico). A principal ferramenta de aplicação do
letramento crítico é o uso de gêneros discursivos que são diversificados e
autênticos como manifestações da língua, de acordo com Bakhtin (2003 apud
TÍLIO, 2013).
A partir das concepções elencadas
acima, cabe a nós profissionais de educação refletir sobre quais habilidades
estamos estimulando os nossos alunos a desenvolver. A diversidade de gêneros
discursivos estará sendo explorada de forma suficiente e os temas transversais
estão sendo abordados de modo a despertar uma consciência cidadã em sala de
aula de língua inglesa?
Por outro lado, a multimodalidade no
campo da linguagem deve ser compreendida como um aparato de estratégias
envolvidas na prática de leitura, incluindo recursos
representacionais além da linguagem verbal, havendo uma interação semântica
entre a fala, imagens, escrita, etc (HEBERLE, 2012).
Portanto, reforçamos aqui que o trabalho do professor não deva ser somente a
abordagem de temas relevantes com o uso de textos escritos ou falados, mas
também um trabalho que envolva outras modalidades de linguagem, como por exemplo:
expressões faciais de uma foto, a melodia de uma música, a trilha sonora de um
vídeo, as cores de uma pintura, etc.
Metodologia
Através de uma análise qualitativa de
cunho interpretativista, este trabalho tem como corpus de análise relatos/diários reflexivos produzidos por quatro
bolsistas no ano de 2015, buscando evidenciar as experiências e os
entendimentos em relação ao conceito de letramento crítico e às práticas
pedagógicas multimodais. O relato/diário reflexivo funciona aqui como gênero
acadêmico no qual futuros professores de língua inglesa têm a oportunidade de
refletir, confrontar e reconstruir teorias e práticas (SMYTH, 1991). Neste
sentido este trabalho procura a responder a tais questões: o que é e qual a
importância do letramento crítico? Como funciona a teoria e a prática do
letramento crítico e da multimodalidade em língua inglesa na escola pública, a
partir da experiência docente de um grupo de 4 professores em formação inicial
do Subprojeto Letras-Inglês da UFPB em uma escola de nível médio de João
Pessoa?
Resultados e Discussão
Para discutir a pergunta “o que é e
qual a importância do letramento crítico?”, destacamos os seguintes fragmentos
dos diários:
Essas questões nos fazem chegar assim até o conceito
de multiletramentos, com foco especial ao letramento crítico (LC), segundo o
qual os estudantes precisam ser empoderados, sendo incentivados ao uso da
língua(gem) de maneira crítica e responsável, tendo consciência do seu papel no
atual mundo globalizado, estando aptos para atuar nele (FA, junho 2015).
[...]
hoje a informação antes restrita se tornou abundante e o letramento
crítico tem seu direcionamento na
formação de indivíduos capazes de fazer escolhas que necessariamente não sejam
entre opostos mais por fatores mais favoráveis do que outros e para que isso
aconteça a familiaridade com os meios digitais se faz necessário (JF, fevereiro
2015).
Os fragmentos apresentados acima
representam a concepção desenvolvida pelos bolsistas envolvidos no projeto
sobre a utilização do letramento crítico em sala de aula. A presença de
expressões como “empoderados”; “incentivados ao uso da lingua(gem) de maneira
crítica” na primeira passagem e “indivíduos capazes de fazer escolhas” no segundo fragmento remete a uma sinergia no
que diz respeito à relação entre as metas pedagógicas do projeto e do
letramento crítico, já que ambos têm por finalidade formar os alunos para
participar de forma ativa na sociedade através do discurso.
Deste modo, durante as aulas ministradas pelos bolsistas, buscou-se
trabalhar os temas não somente a partir do ponto de vista da análise
linguística, mas também discutindo as ideias apresentadas, objetivando a
interpretação crítica por parte dos estudantes e seu posicionamento em relação
a mensagens transmitidas pelos textos propostos.
Para analisar o entendimento dos
bolsistas sobre como funciona a teoria e a prática do letramento crítico e da
multimodalidade em língua inglesa na escola pública, partimos dos fragmentos
abaixo:
Para tanto, julgo ser essencial a etapa relativa ao
planejamento da aula, na qual se pode pensar em formas de a partir do nível da
turma, encaixar assuntos que possam explorar esta capacidade e assim paralelo
ao ensino do inglês, desenvolva também a consciência crítica no aprendiz (FA, junho
2015).
Quanto
mais leio e aprendo sobre LC, mais percebo quão grande é a responsabilidade que
temos. Formar cidadãos críticos, empoderados, capazes de interagir em diversos
contextos e fazer uso de diversos meios de comunicação (JB, junho 2015).
É possível perceber que a atuação do professor, sob uma perspectiva de
LC, entendido por JB, envolve práticas de multimodalidade, pois para o aluno
ser capaz de interagir e fazer uso de diversos meios comunicativos, é
indispensável o trabalho com a linguagem em seus diversos modos (oral, escrito,
digital, etc), e de forma frequente. Sendo assim, surge uma questão relevante e
recorrente quando se trata de desenvolver um trabalho sob uma perspectiva
multimodal. Quais recursos utilizar e como utilizá-los? Segue a reflexão de JF
sobre essas questões:
Tablet, celular, smartphone, blogs, vlogs, etc. Todos estes
canais são utilizáveis em sala de aula, mas temos que levar em consideração que
muitas vezes a sala de aula não está aberta a invasão digital. O uso de
celulares em salas de aula é proibido na maioria das escolas, os tablets apesar de sua
multifuncionalidade demanda uma preparação dos professores titulares sobre seu
uso, smartphones admitem aplicativos educativos, mas podem servir de desculpa
para atividades paralelas e não didáticas por parte dos alunos e blogs e vlogs
demandam acesso à internet (JF, fevereiro 2015).
De acordo com as palavras de JF, todos os meios de comunicação são
utilizáveis em sala de aula; no entanto, segundo ele, a sala de aula nem sempre
se mostra receptiva a inovações tecnológicas e, como exemplo, ele remete ao uso
do celular, que, na maioria das escolas, é encarado como um problema e não como
um possível suporte educacional. Outra questão levantada pelo bolsista é o
despreparo dos professores em relação ao uso de mídias digitais e, isso
implica, também, em dificuldades no trabalho com a multimodalidade. Por fim, JF
ressalta um empecilho, infelizmente, comum ao contexto de escola pública que é
a falta de acesso à internet. É possível desenvolver um trabalho com multimodalidade
sem utilizar a internet; todavia, torna-se um trabalho restrito diante das
possibilidades que a internet pode proporcionar.
Por fim, trazemos dois fragmentos que parecem dar uma ideia abrangente da
compreensão de Letramento Crítico que guiou os bolsistas na experiência
pedagógica discutida nesse trabalho:
Após
diversas leituras realizadas ao longo desse um ano e meio, posso aqui colocar
com minhas próprias palavras o que eu entendo por letramento crítico e de que
forma ele me beneficiou nas minhas aulas. Letramento
crítico consiste em uma abordagem na qual o professor tem como objetivo
essencial fazer com que o aluno se engaje discursivamente no mundo letrado,
agindo de maneira crítica diante da leitura dos discursos que a língua e
linguagem constroem. Devemos entender que discurso não é algo fixo ou de
uma verdade concreta, estamos levando em consideração aqui que discurso se comporta como uma ferramenta que
(re)constrói a realidade ao redor. O
ensino de língua de língua estrangeira entra nesse sentido: como uma segunda
oportunidade mais abrangente de expandir a visão crítica do aluno, uma vez que
este entra em contato com outra realidade discursiva estabelecida através do
diálogo entre a realidade materna e a realidade estrangeira (os discursos que
nelas estão permeados). Devemos mencionar que o aluno é aqui visto como um sujeito transformador da realidade, sujeito
este que é questionador da sua realidade e das diferentes formas de leituras
que circulam o mundo globalizado e letrado oferece (GG, junho 2015).
O aluno passa por momentos em que ele necessita:
reconhecer o código linguístico; decodificar, mesmo que por alguma forma de
tradução ou de leitura não verbal; Compreender e interpretar a função daquele
gênero, a “mensagem do texto” que, permeados em uma noção de construção de
sentido, não é única ou concreta, mas sim suscetível a inúmeras interpretações
cabíveis e negociáveis, por fim, um momento de transferência social para a sua
realidade. Esta última deve ser levada bastante em consideração, pois engloba o
texto que deve ser escolhido e a atividade que com ele dialoga, representando
assim uma maior relação entre o letramento e a vida do aluno como agente
social, crítico e transformador da realidade (GG, fevereiro 2015).
As passagens destacadas remetem ao entendimento que o bolsista possui em relação
à multimodalidade e ao letramento, sendo imprescindível um planejamento
satisfatório, para que estes conceitos possam de fato cumprir as metas almejadas.
Ele ainda discute a importância de trazer à tona a relação entre a língua
estrangeira e a língua materna, para possibilitar o engajamento discursivo e a
reflexão geradora que busca transformar o modo dos alunos atuarem/agirem no
mundo.
Do ponto de vista pedagógico, o trabalho com a multimodalidade e letramento
crítico demanda o planejamento de atividades, apoiadas em textos de diferentes
gêneros, que envolvem a decodificação da linguagem, a interpretação e
compreensão do gênero, a negociação de sentidos, como também é preciso que o
aluno estabeleça uma relação entre os sentidos construídos e sua realidade,
para ser capaz de agir pela linguagem no seu mundo social, de forma crítica e
transformadora, tal como defendido no segundo fragmento acima.
Conclusões
A proposta pedagógica implementada
pelo subprojeto PIBID Letras- Inglês, alinhando-se aos objetivos de ensino e
aprendizagem de línguas propostos pelas Orientações Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio - Língua Estrangeira, motivou a implementação de uma nova prática
docente na escola atendida, que incluiu um processo pedagógico diferenciado,
voltado ao desenvolvimento da criticidade e da formação ética dos estudantes. Quanto
ao uso de recursos tecnológicos e multimodais nas aulas, os bolsistas reconhecem
a sua necessidade e relevância, e por isso buscaram incorporar esses recursos
nas aulas. A exploração intencional e planejada desses recursos, aliados ao
trabalho com o letramento crítico, têm contribuído para aulas mais dinâmicas e
ampliado o interesse dos alunos na língua inglesa.
Referências
BRASIL,
Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação,
Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível
em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf Acesso em: 19/10/2015.
HEBERLE,
Viviane. Multimodalidade e Multiletramento: Pelo Estudo da Linguagem como
Prática Social Multissemiótica, In: SILVA, Kleber at al. (orgs.), A Formação de
Professores de Línguas: Novos Olhares. Volume II. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012, p.83-106
SMYTH, J. Developing and sustaining
critical reflection in teacher education. Journal of Teacher
Education, XXXX, 2, 2-9.
TILIO, Rogério. Repensando a
abordagem comunicativa: multiletramentos em uma abordagem consciente e
conscientizadora. In: ROCHA, Cláudia
Hilsdorf e MACIEL,
Ruberval Franco (Orgs.). Língua estrangeira e formação cidadã:
por entre discursos e práticas. 1ed. Campinas-SP: Pontes, 2013, p.51-67.
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