quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO CRÍTICO: EXPERIÊNCIAS DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NO NÍVEL MÉDIO


MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO CRÍTICO: EXPERIÊNCIAS DE ENSINO DE LÍNGUA INGLESA NO NÍVEL MÉDIO

Felipe Adunbi Rocha Novaes; Giuseppe Andrew Ferreira Dantas; João Francisco da Silva Neto; Juliana Barbosa dos Santos; Carolina Rodrigues (supervisora); Angélica Araújo de Melo Maia (coordenadora)

PIBID - Subprojeto Letras-inglês UFPB

Introdução 

O objetivo deste trabalho é apresentar e discutir o entendimento de futuros professores de língua inglesa em relação ao letramento crítico (doravante LC) e a práticas de linguagem multimodais, a partir de aulas minitradas em turmas de uma escola de ensino médio localizada na cidade de João Pessoa-PB, no âmbito do subprojeto PIBID Letras-Inglês da Universidade Federal da Paraíba. Para isto, buscamos estabelecer um diálogo com as OCEM – Línguas Estrangeiras (BRASIL, 2006), apresentando as concepções de letramento e da multimodalidade discutidas nesse documento, como também com outros referenciais teóricos que discutem a transposição e abordagem do LC no contexto da educação básica do Brasil.
A justificativa deste trabalho deriva das Orientações Curriculares Nacionais OCEM – Línguas Estrangeiras (2006), que traz a importância da discussão e reflexão sobre as estratégias de ensino voltadas às línguas estrangeiras, como também, a importância do uso de novas tecnologias na sala de aula, dentro de uma perspectiva de multimodalidade.
            A abordagem sociointeracional, valorizada nas OCEM, vem a complementar o processo iniciado pela abordagem comunicativa cujo fim é a comunicação (TÏLIO, 2013). Assim, para que o processo comunicativo seja eficiente entre indivíduos de diferentes culturas, se faz necessário uma reflexão sobre os diferentes modos de pensar e entender hábitos e valores que permitem uma interação social sensível ao universo de concepções do outro; uma abordagem não colonizadora.
            A construção de novas formas de trabalho pedagógico sob este viés reflexivo aponta três aspectos como necessários no ensino de línguas estrangeiras de acordo com Moita Lopes (2003 apud TÍLIO, 2013): a construção de uma base discursiva, desenvolvimento de uma consciência crítica e o foco em temas transversais.
            Estes temas (transversais) não estão presentes em sala de aula por acaso; estão lá para dizer ao aluno que seu contexto não é insignificante e o dos outros alunos também não. O conhecimento construído pela abordagem destes temas contribui para o desenvolvimento de uma consciência cidadã, ao incluir o aluno em um mundo globalizado em que tudo se conecta e ao mesmo tempo se expressa dentro de universos particulares com suas características próprias. Esses aspectos devem ser problematizados na aula de língua inglesa, dentro de uma perspectiva de letramento crítico (BRASIL, 2006).
            As quatro habilidades linguísticas (ler, escrever, ouvir e falar) não são irrelevantes de modo algum para o letramento crítico, mas não são o fim único. Além do desenvolvimento destas habilidades, é importante incluir a habilidade de construir significados, abrangendo os atos de ver, descrever, explicar, entender e pensar. Esta última habilidade encontra seu canal de desenvolvimento nos multiletramentos através de todas as suas modalidades (linguístico, visual, sonoro, não-verbal, digital, multimodal, multicultural e crítico). A principal ferramenta de aplicação do letramento crítico é o uso de gêneros discursivos que são diversificados e autênticos como manifestações da língua, de acordo com Bakhtin (2003 apud TÍLIO, 2013).
            A partir das concepções elencadas acima, cabe a nós profissionais de educação refletir sobre quais habilidades estamos estimulando os nossos alunos a desenvolver. A diversidade de gêneros discursivos estará sendo explorada de forma suficiente e os temas transversais estão sendo abordados de modo a despertar uma consciência cidadã em sala de aula de língua inglesa?
            Por outro lado, a multimodalidade no campo da linguagem deve ser compreendida como um aparato de estratégias envolvidas na prática de leitura, incluindo recursos representacionais além da linguagem verbal, havendo uma interação semântica entre a fala, imagens, escrita, etc (HEBERLE, 2012). Portanto, reforçamos aqui que o trabalho do professor não deva ser somente a abordagem de temas relevantes com o uso de textos escritos ou falados, mas também um trabalho que envolva outras modalidades de linguagem, como por exemplo: expressões faciais de uma foto, a melodia de uma música, a trilha sonora de um vídeo, as cores de uma pintura, etc.



Metodologia

            Através de uma análise qualitativa de cunho interpretativista, este trabalho tem como corpus de análise relatos/diários reflexivos produzidos por quatro bolsistas no ano de 2015, buscando evidenciar as experiências e os entendimentos em relação ao conceito de letramento crítico e às práticas pedagógicas multimodais. O relato/diário reflexivo funciona aqui como gênero acadêmico no qual futuros professores de língua inglesa têm a oportunidade de refletir, confrontar e reconstruir teorias e práticas (SMYTH, 1991). Neste sentido este trabalho procura a responder a tais questões: o que é e qual a importância do letramento crítico? Como funciona a teoria e a prática do letramento crítico e da multimodalidade em língua inglesa na escola pública, a partir da experiência docente de um grupo de 4 professores em formação inicial do Subprojeto Letras-Inglês da UFPB em uma escola de nível médio de João Pessoa?

Resultados e Discussão 
             
            Para discutir a pergunta “o que é e qual a importância do letramento crítico?”, destacamos os seguintes fragmentos dos diários:

                                      Essas questões nos fazem chegar assim até o conceito de multiletramentos, com foco especial ao letramento crítico (LC), segundo o qual os estudantes precisam ser empoderados, sendo incentivados ao uso da língua(gem) de maneira crítica e responsável, tendo consciência do seu papel no atual mundo globalizado, estando aptos para atuar nele (FA, junho 2015).
                                                 
                                                  [...] hoje a informação antes restrita se tornou abundante e o letramento crítico  tem seu direcionamento na formação de indivíduos capazes de fazer escolhas que necessariamente não sejam entre opostos mais por fatores mais favoráveis do que outros e para que isso aconteça a familiaridade com os meios digitais se faz necessário (JF, fevereiro 2015).

Os fragmentos apresentados acima representam a concepção desenvolvida pelos bolsistas envolvidos no projeto sobre a utilização do letramento crítico em sala de aula. A presença de expressões como “empoderados”; “incentivados ao uso da lingua(gem) de maneira crítica” na primeira passagem e “indivíduos capazes de fazer escolhas”  no segundo fragmento remete a uma sinergia no que diz respeito à relação entre as metas pedagógicas do projeto e do letramento crítico, já que ambos têm por finalidade formar os alunos para participar de forma ativa na sociedade através do discurso.
Deste modo, durante as aulas ministradas pelos bolsistas, buscou-se trabalhar os temas não somente a partir do ponto de vista da análise linguística, mas também discutindo as ideias apresentadas, objetivando a interpretação crítica por parte dos estudantes e seu posicionamento em relação a mensagens transmitidas pelos textos propostos.
            Para analisar o entendimento dos bolsistas sobre como funciona a teoria e a prática do letramento crítico e da multimodalidade em língua inglesa na escola pública, partimos dos fragmentos abaixo:

                                      Para tanto, julgo ser essencial a etapa relativa ao planejamento da aula, na qual se pode pensar em formas de a partir do nível da turma, encaixar assuntos que possam explorar esta capacidade e assim paralelo ao ensino do inglês, desenvolva também a consciência crítica no aprendiz (FA, junho 2015).

                                                  Quanto mais leio e aprendo sobre LC, mais percebo quão grande é a responsabilidade que temos. Formar cidadãos críticos, empoderados, capazes de interagir em diversos contextos e fazer uso de diversos meios de comunicação (JB, junho 2015).

É possível perceber que a atuação do professor, sob uma perspectiva de LC, entendido por JB, envolve práticas de multimodalidade, pois para o aluno ser capaz de interagir e fazer uso de diversos meios comunicativos, é indispensável o trabalho com a linguagem em seus diversos modos (oral, escrito, digital, etc), e de forma frequente. Sendo assim, surge uma questão relevante e recorrente quando se trata de desenvolver um trabalho sob uma perspectiva multimodal. Quais recursos utilizar e como utilizá-los? Segue a reflexão de JF sobre essas questões:

Tablet, celular, smartphone, blogs, vlogs, etc. Todos estes canais são utilizáveis em sala de aula, mas temos que levar em consideração que muitas vezes a sala de aula não está aberta a invasão digital. O uso de celulares em salas de aula é proibido na maioria das escolas, os tablets apesar de sua multifuncionalidade demanda uma preparação dos professores titulares sobre seu uso, smartphones admitem aplicativos educativos, mas podem servir de desculpa para atividades paralelas e não didáticas por parte dos alunos e blogs e vlogs demandam acesso à internet (JF, fevereiro 2015).

De acordo com as palavras de JF, todos os meios de comunicação são utilizáveis em sala de aula; no entanto, segundo ele, a sala de aula nem sempre se mostra receptiva a inovações tecnológicas e, como exemplo, ele remete ao uso do celular, que, na maioria das escolas, é encarado como um problema e não como um possível suporte educacional. Outra questão levantada pelo bolsista é o despreparo dos professores em relação ao uso de mídias digitais e, isso implica, também, em dificuldades no trabalho com a multimodalidade. Por fim, JF ressalta um empecilho, infelizmente, comum ao contexto de escola pública que é a falta de acesso à internet. É possível desenvolver um trabalho com multimodalidade sem utilizar a internet; todavia, torna-se um trabalho restrito diante das possibilidades que a internet pode proporcionar.
Por fim, trazemos dois fragmentos que parecem dar uma ideia abrangente da compreensão de Letramento Crítico que guiou os bolsistas na experiência pedagógica discutida nesse trabalho:

Após diversas leituras realizadas ao longo desse um ano e meio, posso aqui colocar com minhas próprias palavras o que eu entendo por letramento crítico e de que forma ele me beneficiou nas minhas aulas. Letramento crítico consiste em uma abordagem na qual o professor tem como objetivo essencial fazer com que o aluno se engaje discursivamente no mundo letrado, agindo de maneira crítica diante da leitura dos discursos que a língua e linguagem constroem. Devemos entender que discurso não é algo fixo ou de uma verdade concreta, estamos levando em consideração aqui que discurso se comporta como uma ferramenta que (re)constrói a realidade ao redor. O ensino de língua de língua estrangeira entra nesse sentido: como uma segunda oportunidade mais abrangente de expandir a visão crítica do aluno, uma vez que este entra em contato com outra realidade discursiva estabelecida através do diálogo entre a realidade materna e a realidade estrangeira (os discursos que nelas estão permeados). Devemos mencionar que o aluno é aqui visto como um sujeito transformador da realidade, sujeito este que é questionador da sua realidade e das diferentes formas de leituras que circulam o mundo globalizado e letrado oferece (GG, junho 2015).

O aluno passa por momentos em que ele necessita: reconhecer o código linguístico; decodificar, mesmo que por alguma forma de tradução ou de leitura não verbal; Compreender e interpretar a função daquele gênero, a “mensagem do texto” que, permeados em uma noção de construção de sentido, não é única ou concreta, mas sim suscetível a inúmeras interpretações cabíveis e negociáveis, por fim, um momento de transferência social para a sua realidade. Esta última deve ser levada bastante em consideração, pois engloba o texto que deve ser escolhido e a atividade que com ele dialoga, representando assim uma maior relação entre o letramento e a vida do aluno como agente social, crítico e transformador da realidade (GG, fevereiro 2015).

As passagens destacadas remetem ao entendimento que o bolsista possui em relação à multimodalidade e ao letramento, sendo imprescindível um planejamento satisfatório, para que estes conceitos possam de fato cumprir as metas almejadas. Ele ainda discute a importância de trazer à tona a relação entre a língua estrangeira e a língua materna, para possibilitar o engajamento discursivo e a reflexão geradora que busca transformar o modo dos alunos atuarem/agirem no mundo.
Do ponto de vista pedagógico, o trabalho com a multimodalidade e letramento crítico demanda o planejamento de atividades, apoiadas em textos de diferentes gêneros, que envolvem a decodificação da linguagem, a interpretação e compreensão do gênero, a negociação de sentidos, como também é preciso que o aluno estabeleça uma relação entre os sentidos construídos e sua realidade, para ser capaz de agir pela linguagem no seu mundo social, de forma crítica e transformadora, tal como defendido no segundo fragmento acima.

Conclusões

            A proposta pedagógica implementada pelo subprojeto PIBID Letras- Inglês, alinhando-se aos objetivos de ensino e aprendizagem de línguas propostos pelas Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio - Língua Estrangeira, motivou a implementação de uma nova prática docente na escola atendida, que incluiu um processo pedagógico diferenciado, voltado ao desenvolvimento da criticidade e da formação ética dos estudantes. Quanto ao uso de recursos tecnológicos e multimodais nas aulas, os bolsistas reconhecem a sua necessidade e relevância, e por isso buscaram incorporar esses recursos nas aulas. A exploração intencional e planejada desses recursos, aliados ao trabalho com o letramento crítico, têm contribuído para aulas mais dinâmicas e ampliado o interesse dos alunos na língua inglesa.

Referências
BRASIL, Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf Acesso em: 19/10/2015.
HEBERLE, Viviane. Multimodalidade e Multiletramento: Pelo Estudo da Linguagem como Prática Social Multissemiótica, In: SILVA, Kleber at al. (orgs.), A Formação de Professores de Línguas: Novos Olhares. Volume II. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012, p.83-106
SMYTH, J. Developing and sustaining critical reflection in teacher education. Journal of Teacher Education, XXXX, 2, 2-9.

TILIO, Rogério. Repensando a abordagem comunicativa: multiletramentos em uma abordagem consciente e conscientizadora. In: ROCHA, Cláudia  Hilsdorf  e  MACIEL,  Ruberval  Franco (Orgs.). Língua estrangeira e formação cidadã: por entre discursos e práticas. 1ed. Campinas-SP: Pontes, 2013, p.51-67.




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