quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Resumo expandido do pôster "As multifaces do 'sentir' na formação do professor" para o Encontro Unificado da UFPB (ENID)



AS MULTIFACES DO ‘SENTIR’ NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR

Alyne Raíssa Belarmino Gomes; Eduardo Oliveira da Silva; Janaíne dos Santos Rolim; Janine dos Santos Rolim; Maura Regina Dourado (Coordenadora); Raianne Leite Diniz; Rayssa Bezerra Pê

Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência- Letras/Inglês – UFPB mauradourado@hotmail.com

Resumo
Ainda com tempo “de maturação” curto, o PIBID já apresenta “impactos significativos”, como registrado no relatório de gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (CAPES, 2013). Os impactos mais visíveis apresentados destacam uma série de impactos mais sutis, quase imperceptíveis. Este trabalho se debruçará sobre subjetividades quase imperceptíveis  relacionadas ao emocional, que afloraram nos diários de formação do subprojeto de Letras-Inglês. Objetiva-se trazer à tona aspectos emocionais influenciadores da formação de um profissional que, por meio da reflexão sobre a prática, (re)constrói-se. Pela linguística-sistêmico funcional, a metafunção ideacional tem dois aspectos: o experiencial e o lógico. O corpus consiste de 20 diários de 3 bolsistas. A análise de natureza interpretativista evidenciou como PF1 sente-se em relação à proposta de letramento crítico,  PF3, em relação à experiência de sala de aula, e PF5, em relação ao seu relacionamento com outrem. Se, por um lado, Damasio (op. cit.) e Walon (op.cit.) esclarecem que a emoção desencadeia um processo cognitivo através da externalização dos sentimentos, por outro, Halliday (1985) argumenta que usamos a lingua(gem) como modeladora da realidade. Um recurso lexicogramatical que modela e constrói tal realidade é o verbo ‘sentir’. Nossos professores em formação, consciente ou inconscientemente, optaram por representar/ construir suas experiências por meio do sentir e formas derivadas.


Introdução

Ainda com tempo “de maturação” curto para avaliação, o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) já apresenta “impactos significativos”, como registrado no relatório de gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica. Dentre esses impactos destacam-se: i) integração entre teoria e prática e aproximação entre universidades e escolas públicas de educação básica; ii) formação mais contextualizada e comprometida com o alcance de resultados educacionais; iii) reconhecimento de um novo status para as licenciaturas na comunidade acadêmica e elevação da auto-estima dos futuros professores e dos docentes envolvidos nos programas; iv) melhoria no desempenho escolar dos alunos envolvidos; v) articulação entre ensino, pesquisa e extensão; vi) participação crescente de bolsistas de iniciação em eventos científicos e acadêmicos no país e no exterior.  (RELATÓRIO DE GESTÃO CAPES, 2009-2013, p. 12).
Os impactos mais visíveis reportados acima de forma precisa encapsulam, por sua vez, uma série de impactos mais sutis, quase imperceptíveis no âmbito de um subprojeto PIBID. Embora facilmente escapem a um olhar mais abrangente e aglutinador de um relatório de gestão, esses impactos são contundentes e significativos. Nessa linha de pensamento, este trabalho se debruçará sobre subjetividades no campo do emocional, mais especificamente, no campo do ‘sentir’, que afloraram nos diários reflexivos de formação de um grupo de bolsistas do subprojeto de Letras-Inglês. O objetivo deste trabalho é, portanto, trazer à tona aspectos emocionais dentro de um projeto de iniciação à docência, pois são de relevância imprescindível uma vez que são influenciadores na formação de um profissional que, por meio da reflexão sobre a prática, se constrói através de suas emoções e sentimentos.
Partindo da premissa que, a nosso ver, estados emocionais tiveram papel significativo na reflexão das experiências como linguisticamente representadas pelos bolsistas do subprojeto em seus diários mensais reflexivos, esta pesquisa recorre, portanto, ao aporte teórico tanto da Linguística Sistêmico Funcional (HALLIDAY; MATHIESEN, 2004) quanto das teorias das emoções (DAMASIO, 1995; WALLON, 1989).
Assim que nascemos, somos expostos a um fluxo de eventos contínuos. Para a Linguística Sistêmico-Funcional, tais eventos representam as experiências vividas sistematicamente através da utilização de sentidos, podendo ou não estabelecer graus de (in)dependência entre si. Da perspectiva funcional da língua de Halliday e Hasan (1976), o sistema linguístico opera com três metafunções, quais sejam a ideacional, a interpessoal e a textual. Enquanto a metafunção ideacional representa a experiência do eu, a interpessoal deflagra relações sociais entre o eu e o outro, a função textual, por sua vez, organiza textualmente tal experiência.
Considerando a natureza dos diários dos bolsistas de iniciação à docência, esta pesquisa debruça-se, portanto, sobre a metafunção ideacional, ou seja, sobre o que os bolsistas expressam. Do ponto de vista da linguística-sistêmico funcional, a metafunção ideacional tem dois aspectos: o experiencial e o lógico. O sistema que realiza o aspecto experiencial é o sistema da transitividade, “uma unidade estrutural que  serve para expressar uma gama particular de significados ideacionais ou cognitivos. É a base da organização semântica da experiência e denota ... um conjunto de tipos oracionais com diferentes transitividades” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.11). Há seis processos construídos pelo Sistema de Transitividade: o material, o mental, o relacional, o existencial, o verbal e o comportamental.
Levando em conta o objeto de estudo desta pesquisa e o limite de espaço, focaremos nossa atenção no processo mental, evidenciados pelo verbo sentir e respectivos derivados, para a análise dos diários reflexivos.
No que se refere ao aporte teórico das teorias das emoções existe a figura de Damasio, médico neurocientista que, atualmente, possui a visão mais discutida sobre a relação entre as emoções e a cognição. Conjugando ideias de Piaget e Vygotsky, Damasio (1995) afirma que as emoções e a razão não são elementos completamente dissociados, diferentemente do que acredita o senso comum. Segundo ele, apesar de as emoções não serem atos racionais, são elas que, através dos sentimentos, desencadeiam o processo cognitivo.
Outro teórico que uniu razão e emoção foi Wallon (1989), tentando compreender as emoções através de suas funções dando-lhes papel fundamental na evolução da consciência para si. Para ele, a evolução da afetividade depende das construções realizadas no plano da inteligência e a evolução intelectual das construções afetivas. Entretanto, para Wallon (op.cit.), existem fases em que a razão predomina e fases em que a emoção é mais predominante.
Quanto à interação afetiva professor/aluno no processo de ensino-aprendizagem, Wallon(op.cit.) considera a afetividade de maior relevância, pois para que a aprendizagem provoque uma eficaz mudança de comportamento e possa aumentar a qualificação do educando, faz-se necessário que ele perceba a relação entre o que está aprendendo e sua vida. O aluno que está bem afetivamente aprende mais rápido e com mais facilidade, pois uma autoestima elevada leva a uma ação mais positiva e firma da realidade.
A teoria de Wallon nos leva a perceber que em um contexto de formação de professores como o PIBID, a importância da afetividade no processo de formação do indivíduo é tão necessária, que faz com que o aluno bolsista e futuro profissional docente consiga refletir sobre suas emoções relacionadas às ações e relações interpessoais no âmbito do subprojeto.

Metodologia

De caráter narrativo, os diários de formação estabelecem o entrelaçamento das ordens do fazer, sentir, refletir e dizer, por meio da retomada da experiência docente vivida marcada por escolhas linguísticas, realizadas consciente ou inconscientemente pelos bolsistas. 
            Isso posto, o Corpus consiste de um total de 20 diários de formação, elaborados por 3 bolsistas que atuam exclusivamente no ensino médio, entre os meses de fevereiro e setembro de 2015. A seleção dos diários foi feita, primeiramente, a partir de uma leitura de natureza interpretativista, que sugeriu oscilações no estado emocional dos bolsistas.
Para tal fim, estabelecemos as seguintes etapas para o levantamento e análise dos dados: 1) uma nova análise humana manual dos diários pelos pesquisadores individualmente em busca de indícios de percepção e estados emocionais nos diários; 2) cotejo das análises; 3) análise humana e computacional com WordSmith (versão 6) de ocorrências específicas de processos mentais sentir  e respectivas variações indicativos de como os professores em formação se sentem e se constituem em relação as ações do subprojeto.

Resultados e Discussão 

Esta análise divide-se em dois blocos: um quantitativo, envolvendo a análise computacional, e um qualitativo, envolvendo análise interpretativista. A análise computacional das ocorrências do verbo sentir e suas derivações registra 55 ocorrências. Dentre esse universo (N), constata-se que o processo mental ‘sentir’ vem seguido ora de aspectos negativos (N=11) ou de aspectos positivos (N=08). Dentre o universo de aspectos negativos, destacam-se vigiado, mal, desconfortável, incapaz, de escanteio, culpado, raiva. Os positivos, por outro lado, são: satisfeito, confortável, à vontade, inteligente, calmo, orgulhoso, feliz.
            PF1 registra sentimento de satisfação e crescimento [eu me senti muito satisfeita e feliz com o trabalho [...] e o crescimento que tive desde que entrei no projeto], confortabilidade em realizar atividade de sala de aula redimensionada e  inspirada no método audiolingual que lhe é familiar [Eu me senti muito mais à vontade com essa aula do que com a anterior], envolvendo a habilidade oral e a simplificação de um questionário que precisou ser reaplicado [principalmente por estarmos usando bastante oralidade ...]. A bolsista evidencia também satisfação e felicidade com feedback recebido [eu me senti satisfeita com esse dia ...pelo retorno que tivemos após a aula.] Em duas ocasiões intensifica-as pelo advérbio de intensidade ‘muito’ [...me senti muito mais à vontade ....,eu me senti muito satisfeita...].
            Mas os diários de formação também registram dilemas, que são situações perturbadoras e desestabilizadoras. Há certa gradação de sentimentos em relação ao verbo no presente “sinto”, pois, primeiramente, em fevereiro, a PF1 fala do seu sentimento em relação a um futuro no projeto, cuja bandeira é o Letramento Crítico, [sinto que estou indo na direção certa], mas expõe limitação em não se sentir à vontade com o LC [mas ainda assim não me sinto a vontade em abandonar completamente o audiolingual], em março a PF1  desabafa  sobre seus sentimentos relativos a planejamento com LC: [Eu sinto como se nunca tivesse preparado uma aula na vida]e, finalmente, em julho ao ministrar uma aula sobre a perspectiva do LC, a PF 1 chega a uma conclusão frustrante[sinto que meu trabalho foi inútil]. O dilema de PF1 parece ser produto de situações tomadas como “perturbadora tanto teórica quanto emocionalmente” e configuram-se como “espaços problemáticos emergentes” na prática reflexiva (ZABALZA, 2004, p.21).
Diferentemente de PF1, o uso do verbo sentir e derivados por PF3 evidencia sentimentos relacionados às experiências em sala de aula e à turma numerosa [...mas quando a turma tem uns quarenta alunos em sala de aula...]. PF3 sente ‘raiva’ pelo mau comportamento dos alunos [Por alguns momentos senti certa raiva por tanto barulho...]. Ter sido solicitada a trabalhar com aspectos gramaticais específicos a fez sair da sua zona de conforto [Senti que foi uma mudança meio brusca a qual saiu da minha zona de conforto]. PF3 também se sente ‘incapaz de realizar qualquer outra tarefa’ quando ‘fracassa’ em algo [...e se fracassar em uma coisa, me sinto incapaz de realizar qualquer outra tarefa. ....]. PF3 também revela indiretamente sentir-se menos ‘confiante’ por atuar em turma numerosa [Quando a turma é menor me sinto mais confiante]. Em suma, todas as emoções da PF3 giram em torno de suas vivências em sala de aula.
            Por sua vez, PF5, demonstra através do “sentir” a relevância que dá as relações pessoais pelas suas emoções serem efeitos da “repreensão” e “comentários”. Exemplos ilustrativos são: i) desconforto [Eu sei que eu me sinto extremamente desconfortável quando sou “repreendido” por algo na frente da turma, um costume que PFz vira  e  mexe faz],  ii) feedbacks negativos [Mas   com   a   quantidade   de comentários tecidos ao meu nervosismo, de PFx  ,  de  PFy,  da coordenadora  e  da professora  eu  não  estou  me  controlando...Me  sinto  mal, desconfortável  sobre  tantos  olhares] e iii) falta de feedback mais voltado para seu desempenho [Isso    até    me    deixou    meio desapontado pelo   fato   do   centro   do feedback  ter  sido  para  PFz  e  eu  ter  me sentido de escanteio]. Quando o “sentir’’ aparece com sentido positivo [Acho que tô começando a me sentir confortável com as pessoas que  estou  trabalhando  neste ano e isso tende a me deixar mais tranquilo] confirma a importância do relacionamento com bolsistas, professora supervisora e coordenadora. 

Conclusão

A análise evidenciou como PF1 sente-se e constitui-se em relação a letramento crítico, como PF3 sente-se e constitui-se em relação à experiência de sala de aula e, finalmente, como PF5 sente-se e constitui-se em relação ao seu relacionamento com aqueles envolvidos no projeto.
Se, por um lado, Damasio (op. cit.) e Walon (op.cit.) esclarecem que a emoção desencadeia um processo cognitivo através da externalização dos sentimentos (DAMASIO, 1995), por outro, Halliday (1985) argumenta que usamos a lingua(gem) como modeladora da realidade. Em outros termos, construímos uma imagem mental do que acreditamos ser a realidade. Um recurso lexicogramatical que constrói tal realidade é o verbo ‘sentir’. Interessantemente, nossos professores em formação, consciente ou inconscientemente, optaram por representar/ construir/ significar  a experiência humana por meio do sentir e suas formas derivadas. Quando um texto é produzido, escolhas são realizadas e representações de mundo são construídas (Halliday; Mathiessen, 2004), portanto, mais do que um simples narrar, os diários de formação constroem a experiência humana, nesse caso,  constroem um bolsista em professor em formação.


Referências
BRASIL, CAPES. Relatório de Gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica 2009-2011. Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.
CUNHA, A. F.; SOUZA, A. Transitividade e seus contextos de uso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2011.
DAMASIO, A. O Erro de Descartes, Emoção, Razão e Cérebro humano. Portugal: Temas e debates, 2013.
DURAN, K. M.; RIBEIRO, L. S.; VENANCIO, L. R. Influência das emoções na cognição. Disponível em <http://www.ic.unicamp.br/~wainer/cursos/906/trabalhos/Trabalho_E1.pdf>. Acesso em: 19 de out. 2015.
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Cohesion in English. London: Longman, 1976.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to Functional Grammar. 1ª ed. London: Edward Arnold, 1985.
HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. An introduction to functional grammar. 3rd. edition, London: Arnold, 2004.
WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.
ZABALZA, M. A. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto alegre: Artmed, 2004.
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