AS MULTIFACES DO ‘SENTIR’ NA FORMAÇÃO
DO PROFESSOR
Alyne Raíssa Belarmino Gomes; Eduardo
Oliveira da Silva; Janaíne dos Santos Rolim; Janine dos
Santos Rolim; Maura Regina Dourado (Coordenadora); Raianne Leite Diniz; Rayssa
Bezerra Pê
Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência- Letras/Inglês – UFPB mauradourado@hotmail.com
Resumo
Ainda com tempo “de maturação” curto,
o PIBID já apresenta “impactos significativos”, como registrado no relatório de
gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica (CAPES, 2013).
Os impactos mais visíveis apresentados destacam uma série de impactos mais
sutis, quase imperceptíveis. Este trabalho se debruçará sobre subjetividades
quase imperceptíveis relacionadas ao emocional,
que afloraram nos diários de formação do subprojeto de Letras-Inglês. Objetiva-se trazer à tona aspectos emocionais influenciadores
da formação de um profissional que, por meio da reflexão sobre a prática, (re)constrói-se.
Pela linguística-sistêmico funcional, a metafunção ideacional tem dois
aspectos: o experiencial e o lógico. O corpus
consiste de 20 diários de 3 bolsistas. A análise de natureza interpretativista
evidenciou como PF1 sente-se em relação à proposta de letramento crítico, PF3, em relação à experiência de sala de aula,
e PF5, em relação ao seu relacionamento com outrem. Se, por um lado, Damasio
(op. cit.) e Walon (op.cit.) esclarecem que a emoção desencadeia um processo
cognitivo através da externalização dos sentimentos, por outro, Halliday (1985)
argumenta que usamos a lingua(gem) como modeladora da realidade. Um recurso lexicogramatical que modela
e constrói tal realidade é o verbo ‘sentir’. Nossos professores em formação,
consciente ou inconscientemente, optaram por representar/ construir suas
experiências por meio do sentir e formas derivadas.
Introdução
Ainda com tempo “de maturação” curto para avaliação, o
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) já apresenta
“impactos significativos”, como registrado no relatório de gestão da Diretoria
de Formação de Professores da Educação Básica. Dentre esses impactos destacam-se:
i) integração entre teoria e prática e aproximação entre universidades e
escolas públicas de educação básica; ii) formação mais contextualizada e
comprometida com o alcance de resultados educacionais; iii) reconhecimento de
um novo status para as licenciaturas na comunidade acadêmica e elevação da
auto-estima dos futuros professores e dos docentes envolvidos nos programas;
iv) melhoria no desempenho escolar dos alunos envolvidos; v) articulação entre
ensino, pesquisa e extensão; vi) participação crescente de bolsistas de
iniciação em eventos científicos e acadêmicos no país e no exterior. (RELATÓRIO DE GESTÃO CAPES, 2009-2013, p.
12).
Os impactos mais visíveis reportados acima de forma
precisa encapsulam, por sua vez, uma série de impactos mais sutis, quase
imperceptíveis no âmbito de um subprojeto PIBID. Embora facilmente escapem a um
olhar mais abrangente e aglutinador de um relatório de gestão, esses impactos
são contundentes e significativos. Nessa linha de pensamento, este trabalho se
debruçará sobre subjetividades no campo do emocional, mais especificamente, no
campo do ‘sentir’, que afloraram nos diários reflexivos de formação de um grupo
de bolsistas do subprojeto de Letras-Inglês. O objetivo deste trabalho é,
portanto, trazer à tona aspectos emocionais dentro de um projeto de iniciação à
docência, pois são de relevância imprescindível uma vez que são influenciadores
na formação de um profissional que, por meio da reflexão sobre a prática, se
constrói através de suas emoções e sentimentos.
Partindo da premissa que,
a nosso ver, estados emocionais tiveram papel significativo na reflexão das
experiências como linguisticamente representadas pelos bolsistas do subprojeto
em seus diários mensais reflexivos, esta pesquisa recorre, portanto, ao aporte
teórico tanto da Linguística Sistêmico Funcional (HALLIDAY; MATHIESEN, 2004)
quanto das teorias das emoções (DAMASIO, 1995; WALLON, 1989).
Assim que nascemos, somos
expostos a um fluxo de eventos contínuos. Para a Linguística
Sistêmico-Funcional, tais eventos representam as experiências vividas
sistematicamente através da utilização de sentidos, podendo ou não estabelecer
graus de (in)dependência entre si. Da perspectiva funcional da língua de
Halliday e Hasan (1976), o sistema linguístico opera com três metafunções,
quais sejam a ideacional, a interpessoal e a textual. Enquanto a metafunção
ideacional representa a experiência do eu, a interpessoal deflagra relações
sociais entre o eu e o outro, a função textual, por sua vez, organiza
textualmente tal experiência.
Considerando a natureza
dos diários dos bolsistas de iniciação à docência, esta pesquisa debruça-se,
portanto, sobre a metafunção ideacional, ou seja, sobre o que os bolsistas
expressam. Do ponto de vista da linguística-sistêmico funcional, a metafunção ideacional
tem dois aspectos: o experiencial e o lógico. O sistema que realiza o aspecto experiencial
é o sistema da transitividade, “uma unidade estrutural que serve para expressar uma gama particular de
significados ideacionais ou cognitivos. É a base da organização semântica da
experiência e denota ... um conjunto de tipos oracionais com diferentes
transitividades” (CUNHA; SOUZA, 2011, p.11). Há seis processos construídos pelo
Sistema de Transitividade: o material, o mental, o relacional, o existencial, o
verbal e o comportamental.
Levando em conta o objeto
de estudo desta pesquisa e o limite de espaço, focaremos nossa atenção no
processo mental, evidenciados pelo verbo sentir e respectivos derivados, para a
análise dos diários reflexivos.
No que se refere ao aporte
teórico das teorias das emoções existe a figura de Damasio, médico
neurocientista que, atualmente, possui a visão mais discutida sobre a relação
entre as emoções e a cognição. Conjugando ideias de Piaget e Vygotsky, Damasio
(1995) afirma que as emoções e a razão não são elementos completamente
dissociados, diferentemente do que acredita o senso comum. Segundo ele, apesar
de as emoções não serem atos racionais, são elas que, através dos sentimentos,
desencadeiam o processo cognitivo.
Outro teórico que uniu
razão e emoção foi Wallon (1989), tentando compreender as emoções através de
suas funções dando-lhes papel fundamental na evolução da consciência para si.
Para ele, a evolução da afetividade depende das construções realizadas no plano
da inteligência e a evolução intelectual das construções afetivas. Entretanto,
para Wallon (op.cit.), existem fases em que a razão predomina e fases em que a
emoção é mais predominante.
Quanto à interação afetiva
professor/aluno no processo de ensino-aprendizagem, Wallon(op.cit.) considera a
afetividade de maior relevância, pois para que
a aprendizagem provoque uma eficaz mudança de comportamento e possa aumentar a
qualificação do educando, faz-se necessário que ele perceba a relação entre o
que está aprendendo e sua vida. O aluno que está bem afetivamente aprende mais
rápido e com mais facilidade, pois uma autoestima elevada leva a uma ação mais
positiva e firma da realidade.
A teoria de Wallon nos leva a perceber que em
um contexto de formação de professores como o PIBID, a importância da
afetividade no processo de formação do indivíduo é tão necessária, que faz com
que o aluno bolsista e futuro profissional docente consiga refletir sobre suas
emoções relacionadas às ações e relações interpessoais no âmbito do subprojeto.
Metodologia
De caráter narrativo, os diários de formação estabelecem
o entrelaçamento das ordens do fazer, sentir, refletir e dizer, por meio da
retomada da experiência docente vivida marcada por escolhas linguísticas,
realizadas consciente ou inconscientemente pelos bolsistas.
Isso posto, o Corpus consiste de um total de 20
diários de formação, elaborados por 3 bolsistas que atuam exclusivamente no
ensino médio, entre os meses de fevereiro e setembro de 2015. A seleção dos
diários foi feita, primeiramente, a partir de uma leitura de natureza
interpretativista, que sugeriu oscilações no estado emocional dos bolsistas.
Para tal fim, estabelecemos as seguintes etapas para o
levantamento e análise dos dados: 1) uma nova análise humana manual dos diários
pelos pesquisadores individualmente em busca de indícios de percepção e estados
emocionais nos diários; 2) cotejo das análises; 3) análise humana e
computacional com WordSmith (versão 6) de ocorrências específicas de processos
mentais sentir e respectivas variações
indicativos de como os professores em formação se sentem e se constituem em
relação as ações do subprojeto.
Resultados e Discussão
Esta análise divide-se em dois blocos: um quantitativo,
envolvendo a análise computacional, e um qualitativo, envolvendo análise
interpretativista. A análise computacional das ocorrências do verbo
sentir e suas derivações registra 55 ocorrências. Dentre esse universo (N),
constata-se que o processo mental ‘sentir’ vem seguido ora de aspectos
negativos (N=11) ou de aspectos positivos (N=08). Dentre o universo de aspectos
negativos, destacam-se vigiado, mal, desconfortável,
incapaz, de escanteio, culpado, raiva. Os positivos, por outro lado, são: satisfeito, confortável, à vontade, inteligente,
calmo, orgulhoso, feliz.
PF1 registra sentimento
de satisfação e crescimento [eu me senti
muito satisfeita e feliz com o trabalho [...] e o crescimento que tive desde
que entrei no projeto], confortabilidade em realizar atividade de sala de
aula redimensionada e inspirada no
método audiolingual que lhe é familiar [Eu
me senti muito mais à vontade com essa aula do que com a anterior],
envolvendo a habilidade oral e a simplificação de um questionário que precisou
ser reaplicado [principalmente por
estarmos usando bastante oralidade ...]. A bolsista evidencia também
satisfação e felicidade com feedback
recebido [eu me senti satisfeita com esse
dia ...pelo retorno que tivemos após a aula.] Em duas ocasiões
intensifica-as pelo advérbio de intensidade ‘muito’ [...me senti muito mais à vontade ....,eu me senti muito satisfeita...].
Mas os diários de
formação também registram dilemas, que são situações perturbadoras e
desestabilizadoras. Há certa gradação de
sentimentos em relação ao verbo no presente “sinto”, pois, primeiramente, em
fevereiro, a PF1 fala do seu sentimento em relação a um futuro no projeto, cuja
bandeira é o Letramento Crítico, [sinto
que estou indo na direção certa], mas expõe limitação em não se sentir à
vontade com o LC [mas ainda assim não me
sinto a vontade em abandonar completamente o audiolingual], em março a
PF1 desabafa sobre seus sentimentos relativos a
planejamento com LC: [Eu sinto como se
nunca tivesse preparado uma aula na vida]e, finalmente, em julho ao
ministrar uma aula sobre a perspectiva do LC, a PF 1 chega a uma conclusão
frustrante[sinto que meu trabalho foi
inútil]. O dilema de
PF1 parece ser produto de situações tomadas como “perturbadora tanto teórica
quanto emocionalmente” e configuram-se como “espaços problemáticos emergentes”
na prática reflexiva (ZABALZA, 2004, p.21).
Diferentemente
de PF1, o uso do verbo sentir e derivados por PF3 evidencia sentimentos
relacionados às experiências em sala de aula e à turma numerosa [...mas quando a turma tem uns quarenta alunos
em sala de aula...]. PF3 sente ‘raiva’ pelo mau comportamento dos alunos [Por alguns momentos senti certa raiva por
tanto barulho...]. Ter sido solicitada a trabalhar com aspectos gramaticais
específicos a fez sair da sua zona de conforto [Senti que foi uma mudança meio brusca a qual saiu da minha zona de
conforto]. PF3 também se sente ‘incapaz de realizar qualquer outra tarefa’
quando ‘fracassa’ em algo [...e se
fracassar em uma coisa, me sinto incapaz de realizar qualquer outra tarefa. ....].
PF3 também revela indiretamente sentir-se menos ‘confiante’ por atuar em turma
numerosa [Quando a turma é menor me sinto
mais confiante]. Em suma, todas as emoções da PF3 giram em torno de suas
vivências em sala de aula.
Por sua vez, PF5,
demonstra através do “sentir” a relevância que dá as relações pessoais pelas
suas emoções serem efeitos da “repreensão” e “comentários”. Exemplos
ilustrativos são: i) desconforto [Eu sei
que eu me sinto extremamente desconfortável quando sou “repreendido” por algo
na frente da turma, um costume que PFz vira
e mexe faz], ii) feedbacks
negativos [Mas com
a quantidade de comentários tecidos ao meu nervosismo, de
PFx ,
de PFy, da coordenadora e da
professora eu não
estou me controlando...Me sinto
mal, desconfortável sobre tantos
olhares] e iii) falta de feedback
mais voltado para seu desempenho
[Isso até me
deixou meio desapontado
pelo fato do
centro do feedback ter
sido para PFz
e eu ter me
sentido de escanteio]. Quando o “sentir’’ aparece com sentido positivo [Acho que tô começando a me sentir confortável
com as pessoas que estou trabalhando
neste ano e isso tende a me deixar mais tranquilo] confirma a
importância do relacionamento com bolsistas, professora supervisora e
coordenadora.
Conclusão
A análise
evidenciou como PF1 sente-se e constitui-se em relação a letramento crítico, como
PF3 sente-se e constitui-se em relação à experiência de sala de aula e,
finalmente, como PF5 sente-se e constitui-se em relação ao seu relacionamento
com aqueles envolvidos no projeto.
Se, por
um lado, Damasio (op. cit.) e Walon (op.cit.) esclarecem que a emoção
desencadeia um processo cognitivo através da externalização dos sentimentos
(DAMASIO, 1995), por outro, Halliday (1985) argumenta que usamos a lingua(gem)
como modeladora da realidade. Em outros termos, construímos uma imagem mental do que acreditamos
ser a realidade. Um recurso lexicogramatical que constrói tal realidade é o verbo
‘sentir’. Interessantemente, nossos professores em formação, consciente ou inconscientemente,
optaram por representar/ construir/ significar
a experiência humana por meio do sentir e suas formas derivadas. Quando
um texto é produzido, escolhas são realizadas e representações de mundo são
construídas (Halliday; Mathiessen, 2004), portanto, mais do que um simples
narrar, os diários de formação constroem a experiência humana, nesse caso, constroem um bolsista em professor em formação.
Referências
BRASIL, CAPES. Relatório
de Gestão da Diretoria de Formação de Professores da Educação Básica 2009-2011.
Disponível em: . Acesso em: 10 out. 2015.
CUNHA, A. F.; SOUZA, A. Transitividade
e seus contextos de uso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2011.
DAMASIO, A. O Erro de Descartes, Emoção, Razão e
Cérebro humano. Portugal: Temas e debates, 2013.
DURAN, K. M.; RIBEIRO, L. S.; VENANCIO, L. R.
Influência das emoções na cognição.
Disponível em <http://www.ic.unicamp.br/~wainer/cursos/906/trabalhos/Trabalho_E1.pdf>. Acesso em: 19 de out. 2015.
HALLIDAY, M. A. K.; HASAN, R. Cohesion
in English. London: Longman, 1976.
HALLIDAY, M. A. K. An introduction to Functional Grammar. 1ª
ed. London: Edward Arnold, 1985.
HALLIDAY, M. A. K.; MATTHIESSEN, C. An introduction to functional grammar. 3rd.
edition, London: Arnold, 2004.
WALLON, H. As origens
do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.
ZABALZA, M. A. Diários de aula: um instrumento de
pesquisa e desenvolvimento profissional. Porto alegre: Artmed, 2004.
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